quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Torna dócil

 




 “Se não estivesse fora de moda...

Eu iria falar de Sinceridade.

Sabe, aquele pensamento antigo

de fidelidade, respeito mútuo...

e outras coisas mais.

A admiração pelas virtudes, aceitação dos defeitos...

E sobretudo, o respeito pela individualidade.


Se não estivesse tão fora de moda...

Eu iria falar em Amizade.

O apoio, o interesse, a solidariedade de uns

pelas coisas dos outros e vice-versa.

A união além dos sentimentos

e a dedicação de compreender para depois gostar.


Sabes uma coisa...

Sinto-me feliz por estar tão fora de moda.


Mia Couto


Fonte da imagem: https://i.pinimg.com/originals/0c/d2/4d/0cd24db123de55b8d45dae95d542091d.png

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

História de Muitas Histórias

História de Muitas Histórias 

Em 1971, após a morte de sua mãe, a insônia, o mal-estar e a taquicardia levaram Wanda A. Canutti a um centro espírita. Tomou um passe e dormiu a noite toda. A partir daí, começou a estudar a doutrina, desenvolveu a mediunidade psicofônica e trabalhou naquela casa por 20 anos. Certo dia, na reunião mediúnica, fez-se presente um espírito pedindo que, na próxima reunião, ela levasse papel e lápis, porque ele iria escrever através dela. Durante um ano ele escreveu sem se identificar. Falava que havia sido pai dela em várias encarnações e que foi escritor. E que, no momento certo, ela saberia de quem se tratava. A História de muitas histórias que você lerá neste livro narra os 13 anos de parceria entre a professora Wanda e o espírito do escritor Eça de Queirós, convivência em que ambos, ligados por laços de afetividade, produziram uma série de romances, a nova obra que o autor tanto quisera escrever – agora, para os simples de coração.

domingo, 23 de abril de 2023

O segredo da felicidade é aprender a se amar para sermos felizes sozinhos.

 SOBRE A SOLIDÃO


Muitas pessoas têm sérias dúvidas quanto a isso:

Como lidar com o sentimento da solidão?

A resposta é simples… Gostando de sua própria companhia…

Quem não gosta da própria companhia, vai ficar sempre sentindo falta do outro, esperando o outro e carente pelo outro.

Aquele que se ama, não sente solidão… mas aquele que não se ama, necessita sempre do amor do outro para se sentir bem.

A solidão não vem da ausência do outro; vem de uma ausência de nós mesmos.

Como dizia Sêneca: “A solidão não é a falta do outro… é a falta de si mesmo”.

Na maioria das vezes é a própria pessoa que se isola… e fica só.

Criamos um muro, uma fortaleza de proteção que nos impede o contato com a vida.

Essa muralha emocional nos torna frios e vazios… e nossa solidão só aumenta.

Por outro lado, não existe estar só… existe apenas o sentir-se só.

Como diz o ditado: Uma pessoa pode chorar de solidão envolta por uma multidão…

E outra pode louvar a gratuidade de sua própria companhia no alto inóspito de uma montanha.

Não duvide disso: pior do que estar só… é conviver com pessoas que nos fazem sentir a solidão.

É preferível estar sozinho do que relacionando-se com uma pessoa que nos traz solidão.

É certo que homens e mulheres têm necessidade de momentos de solidão.

A ausência de contato humano nos ajuda no mergulho interior e na revisão de nossa vida.

Precisamos de momentos de exílio, afastados de tudo e todos, a fim de recarregar nossas energias e limpar nossos pensamentos.

“Graças a Deus minha família não me deixa experimentar a solidão”, dizem alguns.

Mas e se um dia sua família não estiver mais ao seu lado? Você conseguirá encontrar refúgio em ti mesmo?

Como disse Buda: “Faça de ti o teu próprio suporte. Não confieis em nenhum suporte externo a vós”.

O egoísmo também exacerba nossa solidão…

Passamos a vida perseguindo apenas nossos interesses, vantagens e benefícios.

Vivemos regidos pelo mantra do “eu, eu e eu”.

Olhamos apenas para nós e nossa própria necessidade, como se isso bastasse para viver bem.

Esse egocentrismo aumenta a distância entre nós e as pessoas… entre nós e o mundo, entre nós e o amor… 

Tudo isso gera um abismo de solidão e de infelicidade.

O ego está sempre isolado de tudo… já o espírito está sempre buscando harmonizar-se com tudo.

O ego vive numa repetição infindável de seus próprios anseios que geram carências.

A competição é sempre solitária… mas a cooperação é sempre coletiva, comunitária e inclusiva.

Muitos não desconfiam… mas aquele que vive apenas para si mesmo, é sempre sozinho; 

Por outro lado, aquele que vive pelo coletivo… nunca está sozinho.

Entenda isso: aquele que deseja fazer o bem não pode se importar com a solidão. 

O mundo não será acolhedor a essas pessoas.

O mundo ama aqueles que se acomodam ao sistema e não aqueles que o questionam.

O sábio é naturalmente sozinho, mas ele não se importa com isso… 

Ele não busca aprovação nem compreensão. Por isso ele se torna sábio…

O estar consigo mesmo… o silêncio, o isolamento, tudo isso pode nos tornar livres de tudo.

Aquele que precisa do outro para estar bem, esse estará sempre perdido no cárcere da solidão.

Aquele que não precisa do outro para estar bem rompe as grades da solidão e se liberta.

Aquele que vive julgando os outros, sendo intolerante e se supondo superior, esse sobe num pedestal que ele mesmo criou.

Do alto de sua arrogância, ele está sempre afastado de tudo, longe da realidade e, claro… amargando a solidão.

O segredo da felicidade é aprender a se amar para sermos felizes sozinhos.

A solidão não é um isolamento das pessoas.

Ela é, isso sim, uma condição interior, uma falta, um estado de ausência de nós mesmos… 

E, claro… uma falta da essência da vida em nós.


(Hugo Lapa)



segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Lindo texto!

 Estradas do Brasil: quais as mais desafiadoras? - LNG

Valéria Vaz


Tem pessoas que vão caminhar conosco, segurar a nossa mão até determinado ponto e depois vão soltar, porque já não fazem mais parte do caminho que temos diante de nós. Há pessoas que são para ser só por um tempo. Fazem parte de uma fase da vida, são um ciclo afetivo, uma experiência de amadurecimento. Porque algumas pessoas são para ser apenas isso.

E só!

A grande magia dos encontros está em jamais saber antecipadamente qual função determinada pessoa vai cumprir em nossas vidas. Quem será a viagem e quem será o destino. Essa é a grande aventura das relações.

O importante é saber que toda pessoa que chega é a necessária. Para o momento que vivemos, para a versão que apresentamos, para aquilo que precisamos amadurecer em nós.

Toda pessoa é a certa. A que vai e a que fica.

Encontrar uma pessoa não significa que precisamos nos manter ali, principalmente se ela nos traz dor. O propósito de toda relação é nos fazer aprender e não sofrer. Não podemos romantizar relações dolorosas como se fossem o nosso destino. Muitas vezes tudo que precisamos aprender ali é sobre não aceitar pouco.

Relações nos estimulam, mas não ensinam quem não está disposto a aprender. O aprendizado vem do esforço interno de extrair o melhor que se pode das experiências e dos encontros que temos. Não é mais maduro aquele que teve mais relações, mas sim aquele que soube colher algo de bom de cada uma delas.

As pessoas nos trazem situações, quem aprende com elas somos nós. O amadurecimento é conquista interna.

Mas é preciso compreender que algumas pessoas jamais serão para ficar, e tudo que poderemos tirar delas são lições. Porque algumas fizeram sentido em um determinado momento, para uma respectiva versão nossa. Porém nem sempre vão se encaixar no futuro de nossas vidas.

Que a gente sempre saiba deixar ir o que nos traz dor, o que não tem mais sintonia, quem não demonstra afeto, quem já cumpriu seu propósito. Que a gente saiba respeitar os fins e entender que eles são os começos para novas, melhores e mais maduras experiências.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

NA ESQUINA DO TEMPO

Ampulheta.. Esses dias eu pensava sobre como… | by Semi-Voz | Medium



Onde foi que marcamos

esse encontro?

Você, ele, eu

nós todos

que nos encontramos

nessa esquina do tempo.




E nos reconhecemos

pelos sinais da vida

e nos identificamos

pelos mesmos feitos

pelos mesmos erros

pelos mesmos sonhos.




Todos trazemos marcas

de tempo e caminhada,

um certo cansaço,

e um sopro de esperança

nessa madrugada.




Adiante raia o novo dia...

Apressemos o passo

não há mais cansaço,

é só querer viver,

é só querer vencer,

mãos entrelaçadas

e olhos voltados

para o amanhecer.


* Poema publicado no Livro: "Em face de Ser Eterno..." que em 1987, Suely Caldas Schubert lançou juntamente com dois outros poetas: Leila Brandão e Carlos Augusto Abranches.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Pois é.


 

A viagem é curta.




"A viagem é curta. Não se distraia. Não perca tempo.

Não carregue bagagens desnecessárias.

Aprenda a viver com pouco. A ser autossuficiente.

Seja uma boa companhia pra você. Só então, escolha alguém pra viajar contigo.

Tenha um destino, mas permita-se se perder de vez em quando. Mude de rota sempre que se sentir desconfortável.

Não tenha medo dos imprevistos. Confie em seus instintos. Aprecie as surpresas do caminho. Sinta novos aromas e sabores. Ouça novas músicas. Dance.

Acorde cedo pra ver o sol nascer. Silencie durante o por do sol. Estes são os momentos em que a natureza medita. Há muita energia positiva circulante. Transmute.

Mantenha o olhar curioso de uma criança. Acredite que, a cada esquina, o mundo pode te surpreender. Observe. Escute mais do que fale.

Converse com estranhos. Com todos que puder. Não tem problema se não dominar o idioma. Deixe o coração falar. Olhe bem nos olhos deles. Veja a diversidade mas, principalmente, a humanidade. Permita que eles te vejam. Sorria.

Aproveite também a viagem pra olhar pra dentro; pra se conhecer. Abra espaços pro descanso. Crie locais de afrouxamento para os teus apertos. Deixe fluir as emoções. Inspira. Respira. Solta. Deixa ir.

Lembre-se sempre: você está aqui só de passagem. Portanto, capriche nos instantes. Eles, sim, podem ser eternos."

Autoria: Rita Bragatto
#ebomserdobem

domingo, 5 de junho de 2022

Poema do amigo aprendiz.

 


Fernando Pessoa

Quero ser o teu amigo. Nem demais e nem de menos.

Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias…

Fonte imagem: https://br.pinterest.com/pin/844706473839792638/

terça-feira, 12 de abril de 2022

Que você se cure


Autoria Mônica Gomes


Que você se cure das desculpas que nunca vieram, do perdão que nunca chegou.
Que você se cure do silêncio que deixaram quando tudo que você queria era uma explicação.
Que você se cure da falta de respeito e entenda que nem sempre o outro vai ter a mesma consideração e isso não diminui o que você é.
Que você se cure das promessas que nunca se cumpriram, das palavras que não se tornaram atitudes.
Que você se cure do adeus sem despedida, do vazio que fica quando alguém que amamos decide ir e não nos levar juntos.
Que você aceite que quem te feriu não vai te curar, porque muitas vezes, essa pessoa nem tem dimensão da ferida que ficou aberta no seu peito.
Que você se cure de quem te magoou.
Que você se cure de todas as vezes que se doou e doeu na mesma proporção.
Que você se cure, pois nada nessa vida te faz mais forte do que superar o que um dia te magoou.
Fonte:https://www.facebook.com/groups/310404919579859

Ser feliz


Guimarães Rosa


"Alegre era a gente viver devagarinho,
miudinho, não se importando
demais com coisa nenhuma.
Felicidade se acha é só
em horinhas de descuido."

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Mutações da literatura no século XXI

 


Titulo original: Mutações da literatura no século XXI
Autora: Leyla Perrone-Moisés
Páginas: 296
Lançamento: 17/08/2016
ISBN: 9788535927733
Selo: Companhia das Letras

LEYLA PERRONE-MOISÉS     nasceu em São Paulo,  em 1936.  É doutora em Língua e Literatura  Francesa  e  professora  emérita  da  Faculdade  de  Filosofia, Letras  e  Ciências Humanas da USP.  Coordenou o Núcleo de Pesquisa Brasil-França,  do Instituto de Estudos Avançados da USP, de 1988 a 2010.  Em 2013,  ganhou  o  prêmio  da Fundação Bunge por vida e obra. Pela Companhia das Letras, é autora de As flores da escrivaninha, Inútil poesia, Mutações da literatura no século XXI, entre outros.


Leyla Perrone-Moisés  é uma das  críticas mais atentas e curiosas do Brasil.  É  famosa por descobrir os melhores jovens autores,  além de se destacar pela qualidade  de s eus escritos. Neste livro atual e desafiador,  ela lê autores como Jonathan  Franzen, Bernardo Carvalho e Roberto  Bolaño  para  tentar  compreender  como  grandes  livros  continuam  a surgir  e  a impactar os leitores. Como diz a autora na "Apresentação": "Enquanto a situação do ensino da  literatura  continuou  se degradando,  a  prática  da  literatura  não  só  tem  resistido  ao contexto  cultural  adverso  mas  tem  dado  provas  de  grande  vitalidade,  em  termos    de quantidade,  em  termos  de  quantidade,  de  variedade e  de qualidade. E é isso que pretendo mostrar neste livro".

Um livro para ser lido por todos bons leitores e, principalmente por aqueles que estão começando a escrever.


Mia Couto


Velho, não.

Entardecido, talvez.

Antigo, sim.



Me tornei antigo

porque a vida,

tantas vezes, se demorou.

E eu a esperei

como um rio aguarda a cheia.

domingo, 30 de janeiro de 2022

Deixa-me seguir para o mar




Mario Quintana
Tenta esquecer-me... Ser lembrado é como
evocar-se um fantasma... Deixa-me ser
o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo...
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
me recamarei de estrelas como um manto real,
me bordarei de nuvens e de asas,
às vezes virão em mim as crianças banhar-se...
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir... é seguir para o Mar, as imagens perdendo no caminho...
Deixa-me fluir, passar, cantar...
toda a tristeza dos rios é não poderem parar!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

TUDO QUE VICIA COMEÇA COM C



De: - LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO

"Tudo que vicia começa com C. Por alguma razão que ainda desconheço, minha mente foi tomada por uma ideia um tanto sinistra: vícios. Refleti sobre todos os vícios que corrompem a humanidade. Pensei, pensei e, de repente, um insight: tudo que vicia começa com a letra C! De drogas leves a pesadas, bebidas, comidas ou diversões, percebi que todo vício curiosamente iniciava com cê. Inicialmente, lembrei do cigarro que causa mais dependência que muita droga pesada. Cigarro vicia e começa com a letra c. Depois, lembrei das drogas pesadas: cocaína, crack e maconha. Vale lembrar que maconha é apenas o apelido da cannabis sativa que também começa com cê. Entre as bebidas super populares há a cachaça, a cerveja e o café. Os gaúchos até abrem mão do vício matinal do café mas não deixam de tomar seu chimarrão que também - adivinha - começa com a letra c. Refletindo sobre este padrão, cheguei à resposta da questão que por anos atormentou minha vida: por que a Coca-Cola vicia e a Pepsi não? Tendo fórmulas e sabores praticamente idênticos, deveria haver alguma explicação para este fenômeno. Naquele dia, meu insight finalmente revelara a resposta. É que a Coca tem dois cês no nome enquanto a Pepsi não tem nenhum. Impressionante, hein? E o computador e o chocolate? Estes dispensam comentários. Os vícios alimentares conhecemos aos montes, principalmente daqueles alimentos carregados com sal e açúcar. Sal é cloreto de sódio. E o açúcar que vicia é aquele extraído da cana. Algumas músicas também causam dependência. Recentemente, testemunhei a popularização de uma droga musical chamada "créeeeeeu". Ficou todo o mundo viciadinho, principalmente quando o ritmo atingia a velocidade... cinco. Nesta altura, você pode estar pensando: sexo vicia e não começa com a letra C. Pois você está redondamente enganado. Sexo não tem esta qualidade porque denota simplesmente a conformação orgânica que permite distinguir o homem da mulher. O que vicia é o "ato sexual", e este é denominado coito. Pois é. Coincidências ou não, tudo que vicia começa com cê. Mas atenção: nem tudo que começa com cê vicia. Se fosse assim, estaríamos salvos pois a humanidade seria viciada em Cultura..."

Fonte da imagem: https://pt.testsworld.net/teste-de-cultura-geral.html

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Seiscentos e Sessenta e Seis

 


Mário Quintana


A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos…
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre, sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

livro Esconderijos do Tempo
Imagem:https://r.search.yahoo.com/

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Carta a Josefa, minha avó”, por José Saramago (1968) .


No ano de 1968, José Saramago publicou no jornal A Capital, de Lisboa, a crónica Carta a Josefa, minha avó. Anos mais tarde, ela seria publicada no livro Deste Mundo e do Outro. Abaixo segue a reprodução da página do jorna l A Capital em que foi originalmente publicado o texto.
.
Carta para Josefa, minha avó
.
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo — e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água.
.
Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira — sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja.(Contaste-mo tu, ou terei sonhado que o contavas?)
.
Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém. Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos — e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti — e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava. Não teremos, realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas — e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!»